domingo, 20 de fevereiro de 2011

AMORES, Valéria. Questões para pensar as práticas educativas dos movimentos sociais. Santos: 2008



*Abaixo apresento o inicio o artigo escrito para servir de material de apoio enquanto fui docente de uma universidade de ensino a distância. Material utilizado como base de estudo das alunas de pedagogia 3º e 4º semestres.
O artigo foi feito a partir do tema de pesquisa escolhido para meu TCC, em 2007, onde conheci de perto uma escola rural e a educação de assentados e movimentos sociais, bem como a Universidade Florestan Fernandes em Guararema - SP.


Ao  longo  de  nosso  processo  histórico  nos  deparamos  com  diversas políticas e modelos educacionais, que nem sempre  são alcançados e adequados a todos os grupos existentes em nossa sociedade. Seja pelo 
tipo de educação e teorias propostas ou pela distância e questões de  acesso e estrutura. 
Nem  sempre, cada grupo cultural ou comunidade encontra  um  lugar nos currículos escolares, o que pode  ser  fator  influente para a evasão escolar de alguns grupos. Um padrão de atitudes, currículos, formas de 
ensinar  e  conteúdos  podem  não  ser  visto  como  significativo  para determinados  grupos  sociais,  porque  não  levam  em  consideração  a história,  os  valores,  rotina  e  as  necessidades  diferenciadas  que  eles possuem. Essa relação de proposta pedagógica de suposto “padrão universal” e grupos sociais sempre geraram turbulência, levando assim à criação de movimentos  sociais organizados que começaram a adaptar, a exigir e remodelar  as  práticas  educativas,  criando  propostas  pedagógicas diferenciadas,  voltadas  a  cada  realidade,  a  cada  necessidade.  Os movimentos  sociais  se  transformam nos novos personagens do cenário educacional, oferecendo formação além das tradicionais sala de aula, o  que  não  vem  a  ser  Educação  Informal,  mas  sim  de  educação adaptada  e  revista,  de  processo  ensino-aprendizagem  inovado  e significativo. Para os movimentos sociais a Educação insere-se dentro de um Projeto sociocultural, 

que abrange todo o cotidiano das comunidades e todos os  setores  criados  pelas  mesmas  (setor  de  saúde,  direitos  humanos, frentes de trabalho, cooperativas, núcleos folclóricos). 
Quando crianças e  jovens de determinadas comunidades freqüentam a  escola  regular,  acabam  por  sofrer  preconceitos  e  sentem-se desmotivados  a  retornar.  Outra  questão  que  pode  contribuir  para  a exclusão  desses  alunos  vem  a  ser  a  distância  física  de  algumas comunidades em relação ao centro escolar, como também a falta de condições econômicas das famílias, o que obriga a todos trabalharem, inclusive as crianças, deixando a educação de lado e não como sendo uma condição obrigatória. 
Vale  observar  que  as  crianças,  jovens  e  adultos  que  pertencem  a grupos  ou  movimentos  sociais  vão  se  tornando  mais  politizados  e questionadores,  devido  a  uma  rotina  de  vida  diferenciada,  o  que muitas  vezes causa desconforto  em educadores de  escolas  regulares, preparados dentro do  conceito de apenas  transmitir  saberes  e  não a provocar criticidade em relação a  fatos  sociais. Por  serem alunos mais 
questionadores, os educadores, na maioria das vezes não sabem como lidar e aproveitar tal capacidade de debate desses alunos, porque não se  abriram  ainda  a  essa  transformação  educacional  que  vem ocorrendo  e  não  foram  capacitados  para  lidar  com  essa  nova 
realidade, que ainda gera preconceitos e inquietação. 
Os  movimentos  sociais  em  sua  maioria  são  baseados  em  ideais humanistas  e  com  forte  ligação  as  teorias  do  educador  Paulo  Freire, que sempre defendeu uma educação que contribuísse com ações de transformação do mundo, do  sujeito passivo não questionador, para o aluno  sujeito  ativo,  cidadão,  politizado  e  com  visão  critica  e  de cooperação, de trabalho em coletividade. 
A  educação  dentro  de movimentos  sociais  está  sendo  produzida  em movimento  constante,  dentro  e  fora  de  salas  de  aula,  improvisadas, adaptadas,  com  calendário  diferenciado  ao  ano  letivo  das  escolas regulares,  com  professores  atentos  a  uma  formação  mais  humana  e principalmente  porque  está  sendo  embasada  no  reconhecimento  da realidade  verdadeira  do  aluno,  considerando  todos  os momentos  de sua  rotina,  momentos  de  aprendizado  e  todos  os  envolvidos  nestes momentos como educadores. Desse modo, quebra-se o paradigma de que o professor formado é o único transmissor de saberes e dotado de todo conhecimento, e que o aluno nada sabe além do que é dito por ele dentro de um currículo programado. Para os movimentos sociais, a Educação é dialógica, problematizadora, voltada para participação e conscientização do papel de cada um e de  seus  direitos  e  deveres  dentro  da  sociedade.  Tal  fato  exige  uma postura  crítica  de  educador  e  educando,  para  que  “juntos”  possam possam aprender a entender e agir no contexto no qual estão inseridos. 
Vale lembrar que os grupos, e posteriormente os movimentos sociais, se apropriaram  de  aprendizados  informais  adquiridos  na  luta  por  seus direitos,  formulando  e  agregando  questões  pedagógicas  novas,  às questões pedagógicas  tradicionais. As questões pedagógicas  referidas não  são apenas  norteadoras dos movimentos  sociais, de certa  forma, elas abordam  todo o contexto educacional em que nossa  sociedade está inserida. 

ALGUMAS QUESTÕES 

Como  ocorre  e  quais  os  sujeitos  (grupos  e  movimentos)  que  estão construindo  e  criando  a  espacialização  de  uma  nova  proposta pedagógica? 
Diversos movimentos  sociais  estão  interagindo  e  contribuindo  na  área pedagógica,  através  de  novos  modelos  de  escola  e  de  novas metodologias de ensino. 
Encontramos  escolas  indígenas,  afro  e  quilombolas,  de  trabalhadores rurais  e  diversos  outros  grupos  que  vão  produzindo  uma interculturalidade,  interdisciplinariedade,  fortalecendo a  relação  teoria e  prática  (aplicando  de  fato  conhecimentos),  resgatando  valores  e preservando a história que vem sendo pouco acessada diante de um 
mundo aberto apenas ao novo. 
Os movimentos  sociais  organizam-se  em  setores,  favorecendo a  troca de  experiências.  Criam  uma  estrutura  multi-dimensionada  e  em movimento  constante,  com  organização  de  atividades,  instâncias  de representação  em  diversos  órgãos  educacionais  e  administrativos, passando assim a interferir em currículos e projetos educacionais. 
Os  setores  educacionais  da  maioria  dos  movimentos  sociais  se transformam  ou  deixam  de  existir  conforme  uma  determinada necessidade, mudança política, adaptação a grupos. Não existe algo padrão e fixo dentro de uma educação que acontece em movimento dialético, porque ela é feita de experiências e  troca, que quando não são bem sucedidas ou não partem de um coletivo são logo anuladas e refeitas. 
Para  os movimentos  sociais,  educar  é algo  inserido  no  cotidiano,  não depende  de  um  horário  programado  e  nem  mesmo  de  paredes  e quadro negro. Todo lugar, toda hora é espaço para aprender e ensinar. 
É pela educação que os movimentos sociais vão criando bases  sólidas para sua expansão. 

E  sobre  as  políticas  públicas?  A  educação  dos  movimentos  sociais segue leis e é reconhecida? 

A  maioria  das  políticas  públicas  que  foram  divulgadas  e  voltadas  à educação , direcionadas a grupos como: população rural, quilombolas, indígenas,  possuem  aspectos  culturais  vistos  como  intolerantes  por algumas comunidades. 

Um  currículo  padrão,  oriundo  da  escola  urbana  e  regular,  baseada apenas  em  verticalidade,  onde  professores  e  comunidade  não participam  de  sua  composição,  não  alcança  êxito  em  comunidades com outras realidades e valores. 

Ainda está presente uma certa concepção de acabar, apenas, com o analfabetismo para a população do campo, população afro ou  para quilombolas e índios. Essa concepção, limitada apenas a alfabetização de primeiras  letras e ao contar para operações matemáticas básicas, não satisfaz aos grupos culturais. 
Outra prática educativa dirigida especialmente a  tais populações é a capacitação para o trabalho (principalmente no caso de comunidades rurais).    Esses  tipos  de  práticas  acabaram por promover  uma  questão  cultural  que  é: dar  o  básico  para  que  eles  sobrevivam  onde  estão  ou estudo para que eles  saiam de  suas cidades e moradias para um lugar “melhor” ou que sigam para a cidade mais urbanizada e próxima e para a escola regular, passando a integrar o que já é comum à todos, ficando  assim  mais  fácil  o  contato  com  educação,  sem  que  seja necessário  rever  as  políticas  e  capacitar  educadores.  Anulam-se então, culturas e identidades. 


Qual  é  o  respaldo  legal  das  práticas  educativas  dos  movimentos sociais? 
A respeito da legislação, podemos indicar: 
•  Constituição  de  1988  afirma  o  direito  à  educação  básica, abrangendo  todos  os  níveis  e  modalidades  de  ensino  (neste momento  existe  a  abertura  para  que  todas  as  comunidades citadas  tenham  acesso  à  educação  em  todos  os  níveis,  sem exclusão). 
•  A  Lei  de  Diretrizes  e  Bases  da  Educação  –  LDB,  9394  de  1996, determina  em  seu  primeiro  artigo  que:  ”  A  educação  deve abranger  os  processos  formativos  que  se  desenvolvem  na  vida familiar, na convivência humana, no  trabalho, nas  instituições de 
ensino  e  pesquisa,  nos  movimentos  sociais  e  organizações  da sociedade civil e nas manifestações culturais”  . No momento em que  a  LDB  reconhece  a  existência  dos  movimentos  e  espaços como ambientes de aprendizagem, temos outra abertura. 

•  A LDB também reconhece a diversidade sócio-cultural e o direito à  igualdade  e  diferença,  proclamando  uma  formação  básica que  envolva  especificidades  regionais  e  locais  (outro  espaço para a revisão de teorias pedagógicas). 
•  LDB  – Artigo  26  preconiza o  fato de que  os  currículos de  ensino fundamental e médio precisam  ter uma base nacional comum a ser  complementada  e  uma  parte  diversificada,  exigida  pelas características  regionais  e  locais  da  sociedade,  da  cultura  da economia e da clientela (Neste ponto, encontramos espaço para a  inserção  de  assuntos  relacionados  à  rotina  de  cada comunidade, bem como de atividades culturais das mesmas). 
•  Para as escolas rurais, por exemplo, temos o artigo 28 que diz que na  oferta  da  educação  básica  para  a  população  rural,  os sistemas  de  ensino  proverão  as  adaptações  necessárias  a  sua adequação,  à  peculiaridade  da  vida  rural  e  de  cada  região, especialmente:  conteúdos  curriculares  e  metodologias apropriadas ás reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural,  organização  escolar  própria,  incluindo  adequação  de calendário escolar as fases do ciclo agrícola. 
•  A  lei  9424/96  que  regularizou  o  Fundo  de  Desenvolvimento  do ensino fundamental e valorização do magistério – FUNDEF aborda a diferenciação do custo por aluno em escolas rurais, reconhece a necessidade de maiores recursos para essas populações. 
•  A lei 10.172/2001 que instituiu o Plano Nacional de Educação - PNE comenta  dentro  do  que  se  refere  ao  ensino  fundamental,  que escolas,  como  a  escola  rural,  por  exemplo,  necessita  de tratamento  diferenciado,  porque  o  ensino  necessita  chegar  a 
todos os recantos do País, considerando peculiaridades regionais e sazonalidades. 
•  1997 – PCNS para ensino fundamental: O documento ressalta que existem  conhecimentos  necessários  a  formação  de  todo cidadão,  independente  da  condição  social,  territorial  e socioeconômica. 

Vale ressaltar ainda que o aluno, independente de sua localidade tem  o  direito  de  estudar  e  aprender,  e  tal  direito  é  dever  e garantia do Estado. 
Todas  as  leis  aqui  referidas  abordam,  em  sua  maioria,  apenas  o oferecimento  de  educação  básica,  o  que  também  exclui  e  limita  os integrantes de movimentos sociais de atingirem outras formações. 
Os  movimentos  sociais  visualizaram  tais  espaços  dentro  das  políticas públicas e  suas  leis  e  inseriram  um modelo de educação próprio.  São Propostas  construídas  pela  sociedade  civil  e  com  aspecto  histórico desde  a  década  de  1970  com  apoio  de  partidos  políticos,  Igrejas  e Universidades.  Período  em  que  o  educador  Paulo  Freire  fortaleceu  a educação popular com sua forma de alfabetizar e pensar a educação.

Continua na próxima postagem ...
Aguardem!







Nenhum comentário:

Postar um comentário